quinta-feira, 10 de maio de 2018

Israel e Irão dão uma amostra do que seria a guerra que todos temem

MÉDIO ORIENTE
Clara Barata
10 de Maio de 2018, 18:32 

Ataques iranianos e contra-ataques israelitas nos Montes Golã seguem-se à ruptura do acordo nuclear pelos EUA e mostram que guerra na Síria é o próximo palco de confronto regional.


A aviação israelita bombardeou dezenas de alvos iranianos na Síria, e o ministro da Defesa, Avigdor Lieberman, afirmou mesmo que foram destruídas quase “todas as infra-estruturas militares iranianas” naquele país, depois de o exército de Israel ter responsabilizado os Guardas da Revolução por um ataque com cerca de 20 rockets lançado na madrugada de quinta-feira contra uma povoação israelita no território ocupado dos Montes Golã.

























“Se houver chuva do nosso lado, haverá uma cheia do lado deles”, ameaçou o radical Lieberman. 
“Espero que todos tenham compreendido”, disse ainda o ministro da Defesa sobre o maior ataque israelita na Síria desde o início da guerra que destroça o país desde 2011. 
Aliás, os media israelitas classificam este ataque seguido de resposta como o confronto mais sério nesta zona desde a guerra do Yom-Kippur em 1973.

Do lado iraniano, no entanto, não houve comentários ao ataque israelita, nem confirmação de que tenha havido um ataque com rockets por parte da Al-Quds, a força expedicionária dos Guardas da Revolução, que é uma das partes do conflito na Síria e aliada do Presidente Bashar-Al-Assad.

O Observatório Sírio de Direitos Humanos, que monitoriza a guerra com uma rede de fontes no terreno, avançou que os ataques israelitas mataram pelo menos 23 combatentes, incluindo tropas governamentais e estrangeiros – sem especificar se haveria iranianos entre as vítimas. 
O exército israelita diz que os alvos atingidos incluem vários locais de armazenamento de sistemas de recolha de informações iranianas, paióis e quartéis.

O jornal hebraico Ha’aretz diz que se trataria de uma tentativa de retaliação por causa do bombardeamento israelita da base T4 da Al-Quds, perto de Palmira, na Síria, a 9 de Abril, em que morreram sete iranianos. 
Mas quatro dos rockets foram interceptados pelo sistema de proteção Cúpula de Ferro, deslocado antecipadamente para os Golãs, e o resto caiu ainda em território sírio, falhado o alvo.


Desde que o Presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou, na terça-feira, que os Estados Unidos deixam de estar ligados ao acordo nuclear com o Irão, que Israel pôs o seu exército em alerta, chamou reservistas, accionou o sistema Cúpula de Ferro e ordenou que fossem preparados abrigos anti-aéreos nos Montes Golã – isto porque, explicou, detectou "actividades irregulares” das forças iranianas na Síria, explica o jornal The New York Times.

Tiro de partida de Trump
Este agudizar de tensões que se reflecte no crescente intervencionismo de Israel no conflito sírio está claramente relacionado com a quebra do compromisso norte-americano no acordo nuclear com o Irão.

Não foi por acaso que na quarta-feira o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, foi a Moscovo, falar sobre o Irão com o Presidente russo, Vladimir Putin, com quem tem boas relações. 
“Apresentei a obrigação e o direito de Israel a defender-se contra a agressão iraniana proveniente de território sírio”, disse Netanyahu, numa declaração citada pelo New York Times.

Embora isso não se entendesse pelas palavras com que o Presidente dos EUA retirou o seu país do acordo que limita o desenvolvimento de armas nucleares pelo regime de Teerão, a guerra na Síria, em que Bashar Al-Assad e o seus aliados – Irão, Hezbollah e Rússia – estão em posição ascendente é o palco que se segue nesta crise.

“A preocupação do Presidente francês Emmanuel Macron tem sido a de que a crise iraniana seja vista como inextricavelmente ligada à situação na Síria”, comentou Patrick Wintour, editor de diplomacia do jornal britânico The Guardian. Israel, que tem exercido uma pressão constante para que os EUA abandonem o acordo nuclear com o Irão, nunca aceitaria um desfecho na vizinha síria que deixasse o Irão com bases permanentes no país de Assad, numa posição vantajosa para atingir o Estado hebraico.


“A rejeição enfática do acordo nuclear por Trump deu a Israel o seu momento de sonho”, disse Wintour, citando um diplomata europeu. 
O que falta é saber se Israel e os EUA estão a agir em conjunto, diz o analista. “Washington aplica a pressão económica através de sanções e Israel a pressão militar, através de ataques aéreos”.

Dedo no gatilho
Há uma clara sensação nos últimos meses de que há um dedo muito próximo do gatilho, tanto em Israel como no Irão – sem esquecer a Arábia Saudita, que vê em Teerão um perigo existencial e não tem más relações com os israelitas. 
Foram publicadas em alguns media ocidentais imagens do que se dizia ser as instalações militares secretas iranianas na Síria. 
Houve vários bombardeamentos mais ou menos misteriosos na Síria, atribuídos a Israel, mas nem sempre assumidos. 
E houve investidas de drones iranianos na zona dos montes Golã, que poderiam ou não ter explosivos (as notícias são confusas).

A aprovação, no início do mês, pelo Parlamento israelita, de uma nova lei que permite que o Estado de Israel declare guerra a outro país simplesmente se o primeiro-ministro e o ministro da Defesa o decidirem – embora em circunstâncias consideradas “extremas” – não contribuiu para a calma. 
A lei foi aprovada na mesma noite em que Netanyahu deu uma conferência de imprensa acusando o Irão de ter mentido sobre o seu programa nuclear.

Existe também muita especulação sobre as intenções de Qassem Suleimani, o poderoso comandante da força Al-Quds dos Guardas da Revolução, que actua na Síria, como dizia o colunista do New York Times Thomas L. Friedman em Abril. 
Há muitas interrogações sobre as lutas de bastidores no Irão, num momento em que o poder do Presidente, Hassan Rouhani, é seriamente abalado pelo abandono do pacto nuclear pelos Estados Unidos, arrastando na queda o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif. 
A própria sucessão do Líder Supremo, o ayatollah Ali Khamenei, é cada vez mais uma questão em aberto – num ano em que regressaram manifestações populares à rua, contestando o regime.

Espera-se que a posição russa seja determinante para aplacar o conflito nascente – que, se acontecer, será de carácter regional, e deve ter a Síria como principal palco. 
Aliada do Irão e de Assad, com boas relações com Israel, Moscovo anunciou que continuará a cooperar com Teerão nos assuntos relacionados com o seu programa nuclear. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrou apelou ao “diálogo” entre Israel e Irão.

Os países da União Europeia sublinharam o “direito de Israel a defender-se” e condenaram os ataques iranianos – e o mesmo fez a Casa Branca de Trump.


clara.barata@público.pt

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