Coreia do Norte
Marta Leite Ferreira
16/12/2016, 16:57
Quatro norte-coreanos expulsos por traição desvendam como o governo controla o que os turistas podem ver quando entram na Coreia do Norte.
Em dia de aniversário de Kim Il-sung, veja a fotogaleria.
Artigo originalmente publicado em 16 de dezembro de 2016.
Na Coreia do Norte há duas versões da mesma história entre os turistas que visitaram o país nos últimos anos.
Há quem siga as regras da pesada ditadura norte-coreana e jure, quando regressa, que o secretismo é apenas romance para atrair atenções e pinte um país que, embora liderado por um ditador, pouco ou nada limita o conhecimento a quem o visita e que, mesmo com uma máquina fotográfica nas mãos, ninguém é alvo de represálias.
Mas depois, há quem jure o contrário, quem sinta que não está a olhar para o quadro inteiro e que tudo o que está a ver é parte de uma história criada pelo governo para abrilhantar uma realidade enegrecida pela falta de liberdade.
Mas para os norte-coreanos expulsos do país por traição não há dúvidas: não há ponta de verdade naquilo a que os turistas têm acesso.
É uma fantasia para os iludir.
Isto mesmo é explicado por Han Song Chol, Kim Jun Hyok, Kang Jimin e Fyodor Tertitskiy, quatro norte-coreanos que foram expulsos e acusados de traição. ~
De acordo com o que contaram à NK News, não há nada de simplesmente romântico nas dificuldades em passear dentro da Coreia do Norte, nas visitas organizadas ao centímetro pelo governo, nem nos polícias que perseguem os turistas de um lado para o outro: “Normalmente os turistas recebem uma narrativa aprovada pelo governo, as interações entre civis e estrangeiros são estritamente limitadas e ouvir sobre o verdadeiro quotidiano dos locais é uma raridade”, escreve a NK News.
A fim de descortinar a verdade por detrás daquilo que os turistas têm oportunidade de ver, a NK News publicou 94 fotografias de Chris Petersen-Clausen e convidou os quatro “traidores” norte-coreanos a contarem o que elas escondem.
O Observador teve acesso a essas imagens.
Todas as legendas têm a informação fornecida pelos entrevistados.
Veja-as (desta vez com olhos de ver) na fotogaleria.
1 - O homem à direita está a fazer o gesto típico da União de Crianças Coreanas. Significa "Hansang Junbi" ou "sempre preparado". É uma marca deixada pela União Soviética.
2 - O Aeroporto Internacional de Susan é o local onde os turistas entram no país. Será uma das poucas infraestruturas que não precisaria de renovação em caso de unificação das Coreias
3 - Os taxis costumavam ser Volvos, mas foram substituídos por carros europeus ou norte-americanos. Os homens de preto são soldados da Marinha
4 - As bicicletas japonesas em segunda mão ainda são o principal meio de transporte
5 - É costume ver estudantes do ensino secundário a caminho da escola enquanto tocam trompete ou tambor
6- As meninas norte-coreanas não podem usar sapatos de desporto. Quando fazem parte de uma equipa têm de pagar 100 dólares pelos sapatos. E não podem treinar em campos como os rapazes
7 - Vista para Seosan-dong. Estes são autocarros usados pelos vendedores do mercado que querem ir para Sunan ou Ryongsung. A viagem custa 4000 wons (4 euros).
8 - Este autocarro leva pessoas para o parque aquático de Taesŏng-guyŏk, mas os mais pobres não podem entrar. O acesso às piscinas custa 80 mil wons, três anos de salário para um trabalhador regular.
9 - Autocarros como estes representam 50% da frota de transportes públicos do país. Foram construídos em Pyongyang para celebrar o 100º aniversário de Kim Il Sung, mas estão sempre avariados.
10 - Os apartamentos verdes são da Universidade Kim Il Sung. O edifício no fundo está a ser erguido no âmbito da Campanha dos 200 Dias, plano usado pela União Soviética para fomentar a economia norte-coreana.
11 - Dezenas de pessoas morrem durante a construção de edifícios porque não há medidas de segurança suficientes. Nem mesmo quando se querem construir arranha-céus.
12 - Esta é a entrada da Rua Kumsung. Há cartazes que dizem "O grande camarada Kim Il Sung e o grande camarada Kim Jong Il estão sempre convosco".
13 - Esta é a torre da Televisão Central da Coreia do Norte. O edifício sede é um dos que tem níveis de segurança mais apertados no país.
14 - Este Arco do Triunfo foi erguido em honra à alegada libertação da Coreia do Norte das mãos dos japoneses por Kim Il Sung. Mas isso nunca aconteceu.
15 - Um barco novo no rio Taedong com um restaurante flutuante. É tão caro que só a elite norte-corena o pode visitar.
16 - Este é um polícia de trânsito de Sosong-guyok, uma das cidades mais pobres da Coreia do Norte. A mota é antiquíssima.
17 - Durante as horas de ponta, não há dia em que não se roubem carteiras ou relógios dentro dos autocarros, que estão sempre a avariar-se no meio da rua.
18 - Há dois militares dentro do autocarro. Aliás, a probabilidade de contactar militares durante uma viagem é muito mais alta do que em qualquer outro país.
19 - Este é o Grande Teatro Pyongyang, em Chung-guyok, que abriu nos anos 60.
20 - As saias nunca podem estar acima dos joelhos. À cintura há um comando de tráfego manual.
21 - Até há bem pouco tempo, as pessoas podiam ser expulsas da cidade por usarem aquecedores elétricos. Só podiam usar lareiras. As luzes públicas que são ligadas à noite são comandadas pelo governo.
22 - Desde que Kim Jong Il chegou ao poder que as luzes públicas têm sido melhoradas no centro de Pyongyang. No entanto, há muitas zonas às escuras: são as regiões mais pobres da cidade.
23 - Aqueles pontos de luz no edifício à esquerda são salas de aula onde os estudantes da Universidade de Tecnologia Kim Chaek costumam estudar até muito tarde.
24 - Este carrinho é uma banca móvel de vegetais aprovada pelo serviço de gestão governamental.
25 - Esta é a estação de energia termal de Pyongyang, responsável por uma poluição tão espessa que se agarra à roupa. Nem os soviéticos conseguiram em tempos resolver esse problema.
26 - Este carro é da companhia de carros chinesa Foton, mas o governo alterou o logótipo para uma empresa norte-coreana.
27 - O hotel Ryugyong é o edifício mais alto de Pyongyang. Não pode ser aberto enquanto todas as falhas na fachada ainda existirem. E isso obrigaria a uma reconstrução.
28 - Estes são camiões transportadores de carvão, muito comuns no tempo de Jang Song Thaek. São tão pesados que estragam muitas vezes as estradas.
29 - Este é o Man Gyong Bong Ho, único cruzeiro norte-coreano e que costumava viajar até ao Japão. Mas muitos japoneses foram enganados, levados para a Coreia do Norte e obrigados a permanecer lá.
30 - Este é um polícia de disciplina para estudantes universitários. Perseguem principalmente as mulheres e garantem que não usam cores muito fortes.
31 - Todos os estudantes, desde pequenos até aos tempos de universidade, são obrigados a usar uniformes.
32 - A preocupação dos norte-coreanos com a segurança é nula. Este casal deve viver bem: a mota é japonesa e portanto muito cara.
33 - Eis a organização familiar norte-coreana: ele tem de ir trabalhar mesmo que não seja pago e ela tem de cozinhar para a família inteira.
34 - A Liga das Mulheres obriga as mulheres a participarem na campanha governamental, cuidar da casa e participar em atividades sociais.
35 - Os traidores dizem que a Coreia do Norte parece ter congelado no tempo.
36 - Muitas mulheres são escolhidas para trabalharem na época da plantação de arroz.
37 - Este é um "veículo móvel de propaganda". Como há falta de gasolina, costumam funcionar como bicicletas e passam pelas zonas onde trabalham agricultores.
38 - Na Coreia do Norte ainda não há muitas máquinas agrícolas. A maior parte do trabalho é feito pela força humana.
39 - Um casal recolhe paus que vão ser usados numa lareira ou para aquecer o jantar. A desflorestação começa a ser um problema sério do país.
40 - O cartaz diz que se aceita dinheiro e cartões. A palavra "봉사 " significa negócio na Coreia do Norte. Na Coreia do Sul, refere-se a trabalho voluntário.
41 - Muitos dos utilizadores de telemóveis só os têm para receber chamadas. Uma conta mensal pode custar tanto quanto um terreno.
42 - Estes homens estão à espera do Beoricha, um autocarro que leva as pessoas para os seus trabalhos. Mas o Beoricha pode não passar, é verdadeiramente uma incógnita.
43 - Quando não há pedras suficientes para as construções, o governo ordena às pessoas que as recolham e levem para os locais de construção. Crianças e idosos costumam apanhar pedras junto aos rios.
44 - Este é o Estádio 1º de Maio na Ilha Runra. As casas de banho estão sempre entupidas e quem atua tem de usar roupas de espectáculo que nada protegem contra o frio.
45 - A organização das ruas norte-coreanas é própria dos tempos coloniais.
46 - Lá no fundo está escrito: "Glória para a grande ideia Juche".
47 - Este é o tipo de homem que mais atrai as mulheres norte-coreanas: corpulentos, mas com alguma barriga (um sinal de riqueza).
48 - Ter um frigorífico é próprio de pessoas muito ricas. Algumas compram-nos, mas não têm acesso a eletricidade.
49 - O Arco da Reunificação é também a entrada para a autoestrada Pyongyang-Wonsan.
50 - As bicicletas inundam a cidade. São usadas tanto pelos populares como por pessoas mais ricas e comerciantes.
51 - A praça Kim Il Sung ao pôr-do-sol.
52 - O homem à direita está a fazer o gesto típico da União de Crianças Coreanas. Significa "Hansang Junbi" ou "sempre preparado". É uma marca deixada pela União Soviética.
53 - No Ocidente muitos passaram a ter apenas o telemóvel para ver as horas, mas na Coreia do Norte o relógio ainda é indispensável.
54 - Aquela carrinha Mercedes Benz é um veículo de espionagem do departamento de segurança política estatal. Lá ao fundo, as fotos dos líderes, presentes por todo o lado.
55 - Os comboios internacionais norte-coreanos obedecem a uma segregação. De um lado entram as pessoas que não vão sair do país, do outro as que vão. Este último costuma estar vazio.
56 - O departamento de lojas Ragwon está constantemente a ser remodelado. É uma forma do governo simular modernidade e isso é comprovado pelo facto de o nome estar em inglês.
57 - Os estudantes têm de usar alfinetes com os rostos de Kim Il Sung e Kim Jong Il. São um sinal de prestígio.
58 - Quando as matrículas começam com "727", os carros são reservados para VIP. Isto porque a Coreia do Norte festeja o Dia da Vitória a 27 de julho.
59 - Hoje, as estações de metro estão mais iluminadas. Antes viajava-se no escuro, o que produzia uma sensação de claustrofobia. Todos os motoristas são polícias do departamento 23.
60 - Estes painéis foram introduzidos por Kim Jong Un e já têm tradução em inglês.
61 - Este é o Jardim Zoológico da Coreia do Norte, junto ao monte Taesong. Correm boatos de que as pessoas mortas pelo governo são dadas aos animais.
62 - Este complexo de apartamentos foi erguido para imitar o Dubai. Fica junto à Praça Kim Il Sung e foi construído em dias. É um dos rostos da propaganda.
63 - Este é o hotel Yanggakdo, o único onde a eletricidade nunca falha. Agora a gerência vai construir um estádio.
64 - Esta é uma ponte férrea entre a estação Taedong River e Yanggakdo, mandada construir pelos japoneses nos tempos coloniais. Os buracos nos pilares são sinais da Guerra Coreana.
65 - As aulas de equitação no Clube Mirim só estão ao alcance dos mais ricos.
66 - Aqui podemos ver o "donju", elite da população norte-coreana. Uma hora em cima de um cavalo custa 100 mil wons, quatro anos de salário para o cidadão normal.
67 - Os apartamentos Dongmundong ficam junto à estrada Gangan no distrito Jung.
68 - Este é o restaurante Ongryugwan. Estas pessoas estão à espera de receber o "naengmyeon", comida requentada vinda do restaurante. Podem ter de esperar o dia todo.
69 - A mulher à direita fez uma cirurgia aos olhos para ficar com mais pestanas. É uma moda cada vez mais recorrente nas duas Coreias.
70 - Este é o tipo de apartamento onde os cidadãos da classe média costumam viver.
71 - Aqui podemos ver aglomerados de pó de carvão, muito mais usado do que o gás ou o petróleo desde que começou a crise económica.
72 - Esta areia é tirada do fundo do mar para ser usada na construção.
73 - Espante-se: este é um veículo sul-coreano na Coreia do Norte que pode ter sido importado da China. O facto de ter entrado no país causou estranheza aos entrevistados.
74 - Este é um navio norte-americano Pueblo, capturado pela Coreia do Norte à semelhança do que aconteceu com o USS Sherman em 1866.
75 - Este é "o bairro Gangnam da Coreia do Norte", onde vivem os oficiais mais importantes do país, sempre protegidos pelos melhores militares.
76 - O mais impressionante desta foto são os capacetes: é raro alguém da construção os usar.
77 - Dois trabalhadores entram num esgoto, mas não usam qualquer material de segurança.
78 - Uma imagem rara da Coreia do Norte: o lixo está sempre a ser recolhido para manter uma sensação de limpeza perfeita para os turistas.
79 - Uma bicicleta elétrica? Este homem só pode ter mesmo muito dinheiro.
80 - Quando um carro tem uma matrícula 727 com uma estrela significa que pertence a alguém que lutou contra os japoneses.
81 - Esta palha vai ser transportada para um curral para alimentar porcos.
82 - O estilo antiquado das roupas destes cidadãos não é o mais chocante: estes são cidadãos cujo sofrimento está sempre a ser reprimido, dizem os "traidores".
83 - Esta é a Exposição Três Revoluções, uma homenagem ao trabalho de Kim Il Sung no campo ideológico, técnico e cultural.
84 - Uma grande antena mesmo à margem de uma estrada.
85 - Em 2016, as autoridades norte-coreanas abriram um miniaeroporto com pequenos aviões para serem usados pelos locais ricos e pelos turistas.
86 - Há cada vez mais pessoas a usar bicicletas, a maior parte das quais importadas da China.
87 - As pessoas com dinheiro para terem telemóveis e outros dispositivos do género, a elite da sociedade, conseguiram-no participando em mercados ilegais.
88 - Duas jovens passeiam pela rua com um fato tradicional da Coreia do Norte, o chosonot.
89 - Um casal de noivos tira fotos no rio Taedong, um privilégio dos mais ricos.
90 - Uma ambulância em Pyongyang. É raro encontrá-las fora da capital. E poucas estão preparadas para acudir pessoas no local da urgência.
91 - Uma mulher e um rapaz empurram um carro com fios numa rua molhada em Wonsan. Os sistemas de distribuição de bens pelo país foram "destruídos" em meados dos anos 90.
92 - Pessoas pescam no rio Taedong, uma atividade comum na capital.
93 - Um caiaque de lazer atravessa o rio Taedong.
94 - Uma mulher protege o rosto do Sol, um hábito asiático e bastante vincado na Coreia do Norte.
95 - A bilheteira da companhia aérea nacional norte-coreana. Tem 20 aviões, mas a maior parte não pode entrar em espaço aéreo estrangeiro por questões de segurança.
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