domingo, 29 de outubro de 2017

Um dia com os ficheiros JFK: avisos do FBI, estranheza em Moscovo e memes na Internet

EUA
Alexandre Martins
27 de Outubro de 2017, 19:04
John F. Kennedy foi assassinado a 22 de Novembro de 1963

É uma partida que já anda a circular na Internet há pelo menos dez anos: a pessoa recebe um e-mail com o endereço para um artigo muito importante, daqueles que vai mudar a sua vida para sempre, mas quando carrega na ligação é surpreendida com um vídeo do cantor britânico Rick Astley a cantar o seu mega sucesso dos 80's Never gonna give you up. Em inglês chama-se rickrolling e não vale a pena perguntar porquê – é a Internet.

Vem isto ao caso para se dar conta da consequência mais importante da da abertura de mais de 2800 documentos relacionados com a investigação ao assassínio do antigo Presidente norte-americano John F. Kennedy, a 22 de Novembro de 1963: à falta de informação nova, ou suficientemente sumarenta para criar mais problemas à versão oficial do que aqueles que ela já tem, muitos americanos foram para uma das ruas mais movimentadas da Internet, o Twitter, para fazerem piadas sobre a revelação desses documentos, autorizada na quinta-feira pelo Presidente Donald Trump.

Numa delas, a cantora e activista anti-Trump Holly Figueroa O'Reilly fez uma versão em papel do tal rickrolling: num documento com a insígnia do FBI, quase todas as palavras surgem censuradas com barras negras, menos as que formam os versos Never gonna give you up, never gonna let you down…


os ficheiros abertos ao público na noite de quinta-feira são quase os últimos que ainda estavam no segredo dos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos; quase, porque o Presidente Trump acabou por ceder aos apelos da CIA e do FBI para manter no cofre uns 280, pelo menos até 2018 – apesar de não haver uma explicação oficial e pública para esses apelos, é comum que as agências de espionagem e a polícia federal queiram preservar a identidade de certas pessoas e a exposição de determinados métodos de recolha de informação por mais algum tempo, até ficarem convencidas de que isso não poderá pôr em causa a segurança dessas fontes ou até a segurança nacional.

De acordo com as pessoas que andam desde 1922 a ler e a catalogar os cerca de cinco milhões de documentos sobre o assassínio de John F. Kennedy, os últimos registos (os que foram libertados na quinta-feira à noite) equivalem a 1% do total – os restantes já são do domínio público, a esmagadora maioria completamente legíveis e cerca de 11% censurados. Mesmo assim, vários historiadores e fanáticos das teorias da conspiração ficaram entusiasmados com a possibilidade de saberem mais sobre o que levou ao assassínio de um dos Presidentes mais populares da História dos Estados Unidos.

Até agora – e ainda vão passar semanas até que se saiba tudo sobre o que está naqueles 2800 documentos –, ninguém encontrou nada de sensacional. Ou seja, nada que reforce a tese de que o principal suspeito, Lee Harvey Oswald, teve a companhia de um segundo atirador e que foi instruído por Cuba ou pelo crime organizado. Segundo a versão oficial, estabelecida nas conclusões da Comissão Warren em 1964, Lee Harvey Oswald planeou sozinho o assassínio e agiu também sozinho; e quando ele próprio foi assassinado (dois dias após a morte de Kennedy), o homem que o matou a tiro, Jack Ruby, também fez tudo sozinho.

O que já se sabe sobre os novos ficheiros:
Aviso do FBI

O FBI avisou a polícia de Dallas de que havia uma ameaça para matar Lee Harvey Osvald, o principal suspeito de ter assassinado o Presidente John F. Kennedy. A informação está num memorando do então director da polícia federal, J. Edgar Hoover.

"Ontem à noite recebemos uma chamada nos nossos escritórios em Dallas de um homem que falava num tom de voz calmo e que dizia ser membro de um comité organizado para matar Oswald", escreveu Hoover a 24 de Novembro. "[O chefe da polícia de Dallas] assegurou que lhe tinha sido dada protecção adequada, no entanto isso não foi feito."


União Soviética preocupada

Os líderes da União Soviética consideravam Lee Harvey Oswald um "maníaco neurótico" que era "desleal" ao seu país, segundo um memorando do FBI  sobre a reacção soviética ao assassínio. Num outro documento, o então líder da URSS, Nikita Khrushchev, mostra-se convencido de que John F. Kennedy foi vítima de uma conspiração porque duvidava da eficácia do FBI e da polícia de Dallas – a nota da CIA sobre as declarações de Khrushchev indicam que o então líder soviético suspeitava de colaboração por parte de alguém na polícia de Dallas e dava a entender que acreditava no envolvimento da extrema-direita americana.


Cubanos contentes

O então embaixador cubano em Washington reagiu "com alegria" ao assassínio, segundo um outro memorando da CIA.

Oswald falou com "unidade de assassinos"

Segundo uma chamada telefónica interceptada na Cidade do México, Oswald esteve na embaixada soviética no dia 28 de Setembro de 1963 e falou com o vice-cônsul, Valeri Vladimirovich Kostikov. Voltou a ligar para a embaixada a 1 de Outubro, perguntando a quem o atendeu se "não havia nada de novo relativo ao telegrama de Washington". A CIA identifica Kostikov como agente do KGB e membro do Departamento 13, uma unidade responsável por sabotagem e assassínios. Esta relação de acontecimentos já era conhecida – a documentação agora divulgada só a confirma. 

À procura de Oswald

O departamento do FBI em Dallas tentou encontrar Lee Harvey Oswald em Outubro de 1963 (um mês antes do assassínio), segundo um memorando do departamento de Nova Orleães, porque Oswald era "uma pessoa de interesse segundo fontes cubanas", escreveu um agente.

Jack Ruby só queria publicidade?

O homem que assassinou Oswald tinha negócios de "raparigas e álcool" com os quais "a polícia não interferia". O informador do FBI disse estar surprendido que Ruby tenha assassinado Oswald "em vez de apenas se ter limitado a feri-lo numa perna para ter publicidade" – de acordo com os amigos, Ruby nunca teria disparado contra Oswald por patriotismo, como ele alegou, mas sim por dinheiro ou publicidade.

Tentativas para matar Castro

Mais um dado que não é inédito: a documentação detalha várias tentativas da CIA para assassinar líderes estrangeiros, sobretudo o cubano Fidel Castro. Num memorando de 1975, menciona-se que a CIA discutiu, em 1960, a possibilidade de assassinar o primeiro-ministro congolês Patrice Lumumba (fuzilado na actual Lubumbashi em 1961) e o Presidente indonésio Sukarno (morreu em 1970 num hospital em Jacarta). Há recibos que mostram os custos das operações, por exemplo em Cuba, no Congo e no Vietname.

FBI preocupado com teorias da conspiração

Num memorando de 24 de Novembro, o então director do FBI, J. Edgar Hoover, já se mostrava preocupado com o teorias da conspiração: "O que me preocupa mais é que devíamos ter alguma coisa para divulgar que possa convencer o público de que Oswald é mesmo o verdadeiro assassino."

Jornal britânico recebeu aviso

Num outro documento, o FBI tomou nota de que um jornalista sénior (não identificado) de um jornal britânico foi avisado por telefone de que iria acontecer "uma grande notícia" e que o jornalista deveria telefonar para a embaixada norte-americana em Londres. O telefonema feito para a redacção do Cambridge Evening News (actualmente Cambrige News) teve lugar apenas 25 minutos antes do assassínio de John F. Kennedy.

alexandre Martins@publico.pt

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