UNIÃO EUROPEIA
RitaSiza
Bruxelas 22 de Março de 2018, 0:18
É verdade que a Itália, um dos maiores países da União Europeia e da zona euro, ainda não desatou o nó da governação depois das eleições de 4 de Março, mas com a chanceler alemã, Angela Merkel, já formalmente empossada para o seu quarto mandato consecutivo, e com uma agenda desenhada para atender aos pedidos do Presidente de França, Emmanuel Macron, esperava-se que no Conselho Europeu que arranca esta quinta-feira já se pudesse vislumbrar o novo impulso que o eixo franco-alemão prometeu para reformar (ou reanimar) o projecto europeu.
Porém, as grandes — e difíceis — decisões políticas, principalmente nas questões ligadas à reforma da união económica e monetária e ao roadmap apresentado pela França e Alemanha para uma maior integração, foram todas adiadas até ao próximo conselho de Junho.
Ao nível europeu, as divergências continuam, embora Berlim e Paris minimizem o atraso no calendário e garantam que nada mudou, nem em termos da sintonia, nem do compromisso entre Merkel e Macron para fazer avançar as reformas.
Mas a conjuntura europeia continua complicada, o que explica o clima de expectativa. Ninguém esperava que a chanceler da Alemanha demorasse seis meses a formar Governo, e que se visse obrigada a reafirmar a sua autoridade logo nos primeiros dias, depois das declarações incendiárias do seu novo ministro do Interior sobre o lugar do islão na Alemanha (não existe, segundo Horst Seehofer).
A atenção de Merkel está, nestes dias, voltada para a situação interna, o que atrasará o avanço das discussões a nível europeu.
Também não se contava que a ascensão dos movimentos populistas e eurocépticos italianos lhes viesse a dar a primazia na constituição de um Governo: esse desfecho, admitiu fonte do Conselho, “torna a missão [de aprovação de uma reforma da união económica e monetária] bastante mais difícil”.
Assim, o resultado mais concreto dos trabalhos deste Conselho, que se prolongam até sexta-feira com uma cimeira do euro, será uma mensagem unificada dos chefes de Estado e de Governo de apoio à estratégia e recomendações da Comissão Europeia nos processos negociais em curso com a Administração dos Estados Unidos, para evitar uma escalada que acabe por se converter numa guerra comercial global, e com o executivo de Theresa May, no âmbito do processo de saída do Reino Unido da União Europeia.
Em ambos os casos, espera-se que os líderes manifestem o seu apoio às missões da comissária europeia com a pasta do Comércio, Cecilia Malmström, e do negociador principal do “Brexit”, Michel Barnier, e os encarreguem de prosseguir os seus esforços com o mandato político dos Estados membros.
Segundo uma fonte do Conselho, “no que diz respeito ao comércio, todas as conclusões relevantes [da discussão] serão adoptadas”, com o mesmo acordo unânime previsto para a adopção das primeiras directrizes (guidelines) para a negociação da relação futura entre o Reino Unido e a União Europeia após o “Brexit” — que arrancará assim que for adoptado o rascunho do acordo de saída, que inclui os termos para um período de transição até Dezembro de 2020.
Também se espera que do Conselho saia uma mensagem unificada de solidariedade com o Reino Unido após o ataque, em Salisbury, contra um antigo agente duplo russo, que envolveu o uso de um agente nervoso militar.
A primeira-ministra britânica, Theresa May, fará uma apresentação aos seus congéneres sobre a investigação do crime e também as medidas adoptadas pelo seu Governo contra o regime de Moscovo.
No debate que se seguirá não está prevista a definição de uma resposta da União Europeia à Rússia, do tipo sanções ou outras acções retaliatórias comuns.
“A discussão será ao nível da atribuição da responsabilidade do ataque”, esclareceu um dirigente com conhecimento da agenda.
A cautela na gestão da resposta as manobras da Rússia tem a ver com o desconforto de alguns Estados membros, sobretudo de Leste, em assumir posições abertamente críticas do Presidente Vladimir Putin, reeleito no domingo passado com uma votação acima dos 70%.
Vários líderes europeus, caso de Jean-Claude Juncker, Angela Merkel ou Emmanuel Macron, enviaram mensagens de congratulações ao líder russo.
O nome de Donald Tusk não figura na lista de remetentes — um porta-voz do seu gabinete confirmou que o presidente do Conselho Europeu “não enviou uma carta de parabéns a Putin”, e acrescentou que ficaria muito surpreendido se o viesse a fazer.
Apesar das diferentes apreciações do Presidente da Rússia, existe uma razoável convergência entre os 28 sobre a responsabilidade de Moscovo no ataque ao seu antigo espião radicado no Reino Unido, e nas reuniões preparatórias do Conselho os “sherpas” já deixaram a indicação de que os Estados membros estão preparados para “dar um passo em frente” e condenar abertamente o Kremlin pelo ataque.
UE tenta evitar guerra comercial
Se no que concerne ao relacionamento com Vladimir Putin as opiniões se dividem, no que diz respeito à resposta às provocações de Donald Trump a Europa parece bastante unida. A probabilidade (que parece elevada) de uma disputa comercial com os Estados Unidos é o primeiro ponto na agenda, e deverá ocupar uma boa parte das três horas e meia reservadas para a primeira sessão de trabalho (onde também serão abordadas as questões do mercado único, semestre europeu, pilar social e a estratégia apresentada pela Comissão Europeia para o eventual alargamento aos Balcãs).
Os líderes europeus foram apanhados de surpresa pela proclamação do Presidente Donald Trump de que a segurança nacional norte-americana estava a ser posta em risco pelas exportações de aço e alumínio para o país, o argumento em que assenta o decreto que revê as tarifas alfandegárias aplicadas àqueles dois produtos para 25% e 10%, respectivamente — e que devem entrar em vigor já esta sexta-feira.
“As conclusões dirão claramente que a UE deverá ficar isenta das novas tarifas para o aço e alumínio e que as medidas adoptadas pela Administração norte-americana não se conformam com as regras da organização Mundial de Comércio”, antecipou um dos dirigentes envolvidos na redacção dos documentos.
A Comissão Europeia já tem preparada uma resposta à medida proteccionista de Trump, que segundo insiste não é de retaliação mas de reequilíbrio dos fluxos comerciais: Bruxelas acertou uma longa lista de produtos norte-americanos cujas taxas de importação serão revistas na mesma proporção, num valor que pode chegar aos 6,4 mil milhões de euros. Uma fonte do Conselho garantia, na véspera da cimeira, que os chefes de Estado e de governo estão preparados para dar luz verde ao plano desenvolvido no gabinete de Cecilia Malmström, mas insistia que ainda havia esperança entre os 28 de que fosse possível evitar a escalada.
“A União Europeia deve comportar-se de maneira mais responsável e razoável do que os Estados Unidos”, considerou a mesma fonte, frisando que “a relação transatlântica é e continuará a ser chave para a nossa segurança e prosperidade, e é responsabilidade dos dois lados manter o diálogo e as consultas para promover essa relação”.
A matéria é particularmente sensível para a Alemanha, o país com o maior excedente comercial do mundo, e o mais afectado (a nível europeu) pelas novas tarifas de Donald Trump.
O novo ministro da Economia, Peter Altmaier, foi a Washington apresentar o ponto de vista dos europeus.
A viagem assustou aqueles que denunciaram a estratégia de “dividir para reinar” da Casa Branca, que aventou a possibilidade de negociar individualmente eventuais isenções por país — recorde-se que a política comercial é uma competência total da Comissão Europeia e não passa pelas capitais.
De Berlim vieram garantias de que não está em busca de uma solução casuística e que qualquer acção será concertada e em nome do bloco.
E tal como em relação ao ataque de Salisbury, a solidariedade europeia ficará evidente, prometeu fonte do Conselho.
“Os 28 Estados membros estão unidos numa frente comum [de reacção às tarifas] porque é do interesse de todos os Estados membros manter-se unidos numa frente comum”, afirmou, até porque não são só os EUA que se sentem prejudicados com o actual estado das relações comerciais.
“Na Europa também estamos descontentes com os Estados Unidos”, observou.
rita.siza@publico.pt
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