Maria João Guimarães
19 de Março de 2018, 20:26
Este compromisso político “devia dar-nos confiança de que um acordo [final de saída] entre Londres e Bruxelas está mais perto do que nunca”, diz ministro britânico para o “Brexit”, David Davis.
O Reino Unido ganhou alguma sensação de pisar um terreno mais firme ao assegurar as regras para um período de transição após a saída da União Europeia, deixando de estar na posição de olhar para o precipício que seria um “Brexit” imediato na data da aplicação do Artigo 50 do Tratado da União Europeia – em troca, o Governo de Theresa May fez uma série de cedências.
O principal negociador europeu para o “Brexit”, Michel Barnier, e o ministro britânico para o “Brexit”, David Davis, anunciaram esta segunda-feira um acordo para os principais pontos da relação entre o Reino Unido e a União Europeia durante o período de transição após o “Brexit”, que acontece a 29 de Março de 2019, e em Dezembro de 2020, a data em que terminam as obrigações financeiras do Reino Unido, e Londres deixará de ter de cumprir o ordenamento jurídico europeu.
“Isto ainda não é o acordo final” de saída, lembrou Barnier – o acordo de transição é uma das peças desse futuro tratado, para o qual Barnier já avançou um rascunho de texto jurídico.
Esse documento foi apresentado com código de cores: a verde o que já foi acordado, a amarelo as questões em que há um acordo de princípio faltando resolver questões técnicas, e a branco o que ainda não está resolvido.
A Irlanda, por exemplo, mantém-se uma questão a resolver (ninguém quer ter uma fronteira entre a Irlanda do Norte e a Irlanda, mas não é claro que solução haverá para o evitar).
A UE tinha já aprovado, no fim de Janeiro, o seu rascunho para o relacionamento durante o período de transição que foi pedido por Londres, e que mereceu várias críticas do Governo britânico.
Mas agora, “a maior parte do documento foi acordada”, incluindo “um acordo completo em relação aos direitos dos cidadãos e das questões financeiras”, declarou ainda Barnier.
Os cidadãos da UE que forem viver para o Reino Unido durante o período de transição terão os mesmos direitos que os que lá chegaram antes da saída do país do bloco europeu – uma cedência de Londres a Bruxelas.
O ministro britânico para o “Brexit”, David Davis, sublinhou que este acordo é importante para dar segurança a curto prazo às empresas, e também para que o Reino Unido possa preparar-se para a vida fora da União Europeia, por exemplo, através da negociação de acordos de comércio, cita o diário britânico The Guardian.
O espaço aberto ao Reino Unido para negociar estes tratados é, por seu lado, uma cedência de Bruxelas.
Davis confirmou ainda a data do final da transição, que se completa no dia 31 de Dezembro de 2020, o prazo em que se conclui o quadro financeiro plurianual para o qual o Reino Unido ainda terá de contribuir depois da sua saída.
A partir desta data o Reino Unido não terá mais nenhuma obrigação quer financeira quer de cumprimento do ordenamento jurídico em relação à UE.
Este compromisso político “devia dar-nos confiança de que um acordo [final de saída] entre o Reino Unido e a União Europeia está mais perto do que nunca”, disse ainda Davis.
O ministro português dos Negócios Estrangeiros ecoou esta ideia, considerando que este foi um “importante desenlace” que permite que haja mais optimismo.
“Sempre que vamos conseguindo chegar a acordo sobre um segmento do processo negocial [do 'Brexit'], as probabilidades de fechar com sucesso o processo negocial aumentam”, considerou Augusto Santos Silva, após a conclusão da reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia, em Bruxelas, citado pela agência Lusa.
O Parlamento Europeu também se congratulou com a notícia, destacando “a rejeição de propostas discriminando o tratamento de cidadãos da UE que chegassem ao Reino Unido antes e depois do início do período de transição”.
Condicional a um tratado
O Governo britânico ficou rapidamente sob fogo interno por ter feito demasiadas concessões à União Europeia, especialmente por ter admitido a “solução de último recurso” de manter a Irlanda do Norte no mercado único, de concordar com um período de transição mais curto do que Londres desejava, e no facto de se manter sob a alçada regulatória do bloco sem ter poder de decisão durante o período de transição – o que levou a protestos sobretudo por parte do sector das pescas, que preferia ter o controlo total da política e não ter ainda quotas.
Outra questão é que este acordo para a transição só entra em vigor se Londres e Bruxelas fecharem um tratado de saída, avisou o negociador europeu.
E esta contingência faz com que as associações empresariais o vejam de dois modos diferentes: ora como uma segurança, ora como uma admissão de que não há 100% de garantia de que irá mesmo haver um acordo no Outono, ou seja, a tempo de ser votado pelo Parlamento Europeu e parlamentos nacionais dos 27 e aprovado antes da data de saída de Março do próximo ano.
O director da Câmara do Comércio Britânica, Adam Marshall, reagiu com agrado: “Ainda que algumas empresas gostassem de ter visto garantias legais certas sobre a transição, o acordo político alcançado em Bruxelas é suficiente para a maioria das empresas fazer planos com algum grau de confiança”, disse em comunicado.
Já Catherine McGuinness, que representa os interesses da City, foi mais céptica quanto à possibilidade de este acordo ser suficiente para travar empresas que planeiam sair por causa da incerteza ligada ao "Brexit".
“Antes do anúncio as empresas olhavam para o abismo, agora estão em terreno mais firme”, considerou, mas alertou: “muito depende agora de como respondem os reguladores”.
maria.joao.guimaraes@publico.pt
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