OPINIÃO
Rui Tavares
9 de Maio de 2018, 6:30
A questão é saber que deve a União Europeia fazer num mundo em que os EUA são mais vezes fonte de instabilidade do que de estabilidade.
Ter uma política externa que se visse já seria um bom começo.
Os EUA têm um presidente que mente, insulta e gosta de alardear a sua ignorância.
Que é misógino, xenófobo e zomba em público de pessoas com deficiência.
Que se associou a mafiosos, empregou criminosos e louva tiranos e ditadores.
Que despreza o estado de direito, a liberdade de imprensa e a separação de poderes.
E no entanto, mesmo com isso tudo, o atual presidente dos EUA ainda não conseguiu ser tão mau como George W. Bush.
Quem tenha memória sabe como George W. Bush e a sua corte de políticos e intelectuais neoconservadores manipularam a opinião pública para invadir o Iraque, numa guerra que fez centenas de milhares de mortos, milhões de refugiados e até hoje desestabilizou uma região do globo e descredibilizou o sistema internacional.
Por muito que Trump nos desgoste — e sabem os leitores o quanto ele me desgosta — a verdade é que ele ainda não conseguiu fazer tanto mal ao mundo como George W. Bush.
Ontem, porém, Trump deu um grande passo para se aproximar do legado de Bush jr.
O que vimos foi uma declaração de Trump a retirar os EUA do acordo para congelar o programa nuclear iraniano que foi assinado entre o Irão, os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, a Alemanha e a UE (os outros signatários do acordo dizem que ele se vai manter e que vão respeitar as suas condições).
O que não vimos foi o homem que, na sombra, teve mais influência sobre a decisão de Trump.
Esse homem é John Bolton, que há quinze anos estava junto de Bush jr. a incitá-lo a invadir o Irão logo a seguir à invasão do Iraque.
Pelo menos desde essa altura que John Bolton ganha muito dinheiro para defender as posições do Mujahedin-E-Khalk (MEK), um bizarro grupo oposicionista iraniano no exílio desde os anos 80, que se comporta como uma seita e é conhecido por comprar políticos na Europa e nos EUA com ofertas generosas de dinheiro para aparecer nas suas conferências.
Numa dessas conferências, que teve lugar no ano passado em Paris, John Bolton fez um discurso no qual defendeu que “como o regime iraniano não vai mudar, vai ser necessário mudar o regime” e terminou prometendo que as pessoas presentes naquela sala iriam “comemorar em Teerão, em 2019” a queda dos aiatolás.
John Bolton é o Conselheiro Nacional de Segurança de Trump.
Até os seus correligionários o descrevem como um fanático, mas é importante notar que Bolton não é uma aberração.
Em pouco mais de uma década, Bolton conseguiu ser uma das vozes mais ouvidas na Casa Branca de dois presidentes americanos.
E tal como Bolton não é uma aberração, também Trump deve cada vez menos ser considerado como uma anomalia, e mais como um sintoma.
Trump representa, embora com um estilo diferente do de George W. Bush, a mesma atitude predominante na direita americana em relação ao declínio do seu país como super-potência global.
Bush e Trump, ao contrário de Obama, não são presidentes dos EUA que consigam pelo exemplo ou pela palavra concitar a admiração das opiniões públicas mundiais.
Para provar que os EUA ainda valem, o método que escolhem é o de uma confrontação com um poder regional — não a Rússia ou a China, mas um poder intermédio como o Iraque ou o Irão — com grande probabilidade de levar à guerra.
No século XXI já levamos dois presidentes dos EUA assim.
A questão é saber que deve a União Europeia fazer num mundo em que os EUA são mais vezes fonte de instabilidade do que de estabilidade.
Ter uma política externa que se visse já seria um bom começo.
Historiador; fundador do Livre
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