quinta-feira, 21 de julho de 2016

A dama de pés de tigre e os três briteiros

José Couto Nogueira
A guerra entre a Inglaterra e a Escócia, uma tradição que remonta à alta Idade Média, está de volta. E não é somente por causa do Brexit e dos submarinos; é porque de facto a diferença entre Sturgeon, uma liberal de esquerda (só em Portugal é que o termo liberal se aplica à direita) e a ultra conservadora Theresa May não só tem um conceito imperial da Grã Bretanha como escolheu um Gabinete dos tempos pré-União Europeia. Se havia políticos contemporâneos no Partido, da linha de Cameron, evaporaram-se. Long Live Britania.


















Nicola Sturgeon, a pespineta primeira-ministra da Escócia, não hesitou nas palavras: "A escolha de Theresa May é a tomada do poder pela ala mais conservadora do partido conservador". 
Sturgeon está furiosa com o Brexit, como toda a gente sabe, e tem a seu favor a derrota completa da proposta na Escócia. 
Já depois do referendo, esta semana, houve uma votação sobre gastar 31 mil milhões de libras na renovação da frota de submarinos nucleares, estacionada em Clyde, na Escócia. Todos os parlamentares escoceses – menos um – votaram contra o projecto, apesar de representar milhares de empregos. 
Disse Sturgeon, numa manifestação londrina que a juntou a Jeremy Corbyn, o (ainda) líder dos Trabalhistas: "Estas armas têm um inenarrável poder e brutalidade, e são capazes de provocar terror e sofrimento numa escala fora da nossa compreensão".

Isto, quando Teresa May afirma, peremptoriamente, que se preciso fosse não hesitaria um minuto em carregar no botão vermelho.

Na área da moda e das modas, onde também há um fosso cheio de crocodilos entre Ralph Lauren e Vivienne Westwood, os especialistas não deixaram de notar a preferência de May pelos sapatos de pele de tigre e saltos rasos – um símbolo das classes superiores que frequentaram colégios finos e coleccionam prataria. 
Ou não fosse o marido da senhora, Philip, gestor de topo no Capital Group, uma empresa que "gere portfolios". (O equivalente em Portugal seria se Costa fosse casado com Maria Luís) 
Mas o Capital Group já veio dizer que marido e mulher não falam de trabalho em casa e que ele não tem influência nos milhares de milhões de que a empresa toma conta.

As opiniões de May são conhecidas há muito tempo e ela até se encarregou de as por em dia depois de escolhida pelos seus pares. 
É a favor de um controle apertado na emigração, pouco preocupada com as chamadas "liberdades civis" e contra a convenção europeia de Direitos Humanos. 
Quando foi Ministra do Interior, apresentou um projecto que incluía sanções para "extremistas que incitam verbalmente ao ódio". 
Na prática, propunha-se fazer censura prévia da programação das rádios e televisões – não de cada programa, mas dos autores e conceito dos programas. 
Também queria que os senhorios reportassem e fossem responsáveis por arrendar casas a imigrantes ilegais. 
E a deportação para quem incita ao ódio e – aqui o mais complicado – de todos os imigrantes que não consigam ter um rendimento anual mínimo. 
Dentre desse grupo, os pior remunerados teriam de se ir embora, e os remunerados assim-assim podiam ficar, mas não trazer a família.

É natural que estas medidas agora sejam postas em prática, uma vez que não só May tem mais poder como também teve o cuidado de escolher um ministério que pensa como ela. Três deles já têm um nome colectivo: os Três Brexiteiros. 
Porque estão encarregados de assuntos directa ou indirectamente ligados a separação do Reino Unido do Continente. 
E porque são a favor da Grã Bretanha imperial que terá morrido algures entre 1945 e a entrada para a União Europeia.

Boris Johnson, o mais mediático, toda a gente conhece. 
Fica muito bem como Ministro dos Negócios Estrangeiros, um homem que se notabilizou por insultar vários países e dirigentes, amigos e inimigos (como tão bem o Independent retratou neste mapa).

Alguns exemplos mostram como vai ser fácil o seu relacionamento nas águas da política internacional. 
Não gosta de nenhum dos candidatos americanos. 
Acha que "Hillary Clinton tem o sorriso olhar metálico de uma enfermeira sádica num hospício para malucos", mas também considera que "Donald Trump é uma boa razão para evitar Nova Iorque". 
Quanto ao actual Presidente, Boris atirou outro dia que "Obama tem um ódio ancestral aos ingleses porque é meio queniano". 
Poder-se-ia pensar que talvez seja por Obama ser democrata (além de meio queniano). Mas não. 
Também disse, na devida altura, que "George W Bush é um brutamontes texano vesgo". Quanto ao Presidente turco, não é a sua política que o incomoda, mas a vida pessoal: "Erdogan não passa dum masturbador que gosta de bodes". 
Lindo.

E a China? 
"Todos os desportos foram inventados pelos ingleses e os chineses só são bons a jogar ping-pong."

Só mais uma pérola: "A Papua Nova Guiné faz orgias de canibalismo."

David Davies, mais discreto, ficou com a pasta específica do Brexit. 
Já tem uma solução maravilhosa: a Grã-Bretanha pode fazer acordos comerciais bi-laterais com os países da União Europeia, um a um. 
O facto de os ditos países estarem impedidos pelo Tratado Europeu de fazer acordos individuais de comércio não o incomoda. 
Por acaso – a História tem destas voltas – neste momento está pendente no Tribunal Europeu um processo de Davies contra May, a propósito das leis de vídeo-vigilância que ela queria implantar e ele discordava. 
Mas é a favor da pena de morte e contra a adopção por gays.

O terceiro Brexiteiro é Liam Fox, no cargo de ministro para o Comércio Internacional. Médico de formação, Fox tem contudo um fino sentido comercial. 
Em 2009 descobriu-se que gastava mais do que devia em despesas pessoais como ministro-sombra (sim, são pagos pelo erário) e teve de devolver algum. 
Em 2011 resignou do cargo de ministro da Defesa de Cameron, porque fazia negócios com um fornecedor do ministério, Adam Werritty. 
Ficou a saber-se que até o levava nas suas viagens ao estrangeiro e o deixava participar em reuniões do seu gabinete. 
Politicamente, Fox é contra o casamento de pessoas do mesmo sexo ("igual a incesto") e quis processar o "The Guardian" por publicar textos de Edward Snowden sobre a vigilância norte-americana em Inglaterra.

Voltando aos submarinos, o ministro da Defesa, Michael Fallon, é favor do investimento nos novos equipamentos, como seria de esperar. 
Talvez seja por aí que Nicola Sturgeon pegue para separar a Escócia, sem mesmo esperar que os Três Brexiteiros cumpram os seus papéis. 
A dama dos pés de tigre apoia-o, evidentemente.

Se não, não terá botão vermelho para apertar quando os amigos do masturbador de bodes vierem por aí acima.

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